segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Números.

Montado num motor de duas rodas, a mulher e o filho recém-nascido na garupa:

-Olha ali o tanto saindo do teatro, putaquepariu.

Mirava com olhos de fogo, um revólver invisível na mão.

-Olha ali: 1, 2, 3, 4 - aquele eu não sei - 5, 6, 7, 8, 9...

Olhei pra ele, encarei:

-10! Prazer.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

OCUPA-SE

Misturando dança, teatro, música, performances e exposições, a artelaria abre mais uma vez a porta emperrada para a visita de gostos e preferências artísticas. Durante o dia estão abertas aulas de yoga e tecido, além do funcionamento da petit lanchonete, que vende desde sanduíches naturais até cervejas e caipirinhas. A noite inicia com apresentações do CEM (Centro de Experimentação em Movimento), seguido de música com a Banda Cabaçal Fulô da Aurora, representando a junção do som nordestino.









Exatamente às 24:00 horas, será apresentada a obra "Married with a Phantom" (Casada com o Fantasma), criada pelos atores-dançarinos Elano Chaves e Daniel Pizamiglio.
A noite continua com muita música ao som do DJ' Mixer Wladimir Cavalcante.

Doe notas e cupons fiscais acima de R$ 5,00 reais.
Prestigie a arte.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Estranho

Existem três fatores indispensáveis para um rebanho: o chocalho, que está ali sempre presente, batendo ao ouvido do dono, marcando território; a servidão, responsável pelo consumo e satisfação; e a marca à ferro quente, definindo propriedade. Em prática esses fatores se adéquam ao sertão ou algo mais fora de linha, mas que ainda existe. Trago aqui na verdade uma referência ao armazenamento em massa, às fantásticas fábricas de carne, laticínios e derivados Ltda.
E você deve estar se perguntando que merda de assunto é esse, não? Pois bem eu digo: uma história. Digamos “A ovelha desgarrada”, seria um título interessante e usual, não! Não posso deixar que essa história caia na utilidade e nem vai cair, porque eu lhes digo rapaz: as pessoas não veem o que está prático, e a praticidade a que me refiro é feia aos olhos do mundo, é podre e desconhecida. Mas enfim, não sei se está interessado em ouvir essa história absurda. Tudo bem, mas não peça pra que eu pare, não posso guardar parte dela pra mim.
Tudo corria muito bem obrigado antes daquele acontecido. O planejamento de criação, os métodos de alimentação e sua ração diária e calculada, o processo de ordenhamento maquinal afinal tudo se industrializa, a segurança do gado. Tudo é pensado naquele lugar, planejado, detalhado em horários, anotado em pranchetas, atas diárias, tudo branco, limpo, seco. E vermelho, da cor da carne crua virando dinheiro. E é essa a recompensa: salário mensal descontado de taxas urbanas e sindicais: vida pacata e crua como a carne. É assim que vivem os operários de uma indústria de bovinos. Assim vivia eu, mas com um mero destaque. Eu sabia do que acontecia por trás da burocracia, sabia do brilho que cintilava o olho do animal antes do abate. Ofuscante, somente a mim, mas não ache que isso foi um privilégio. Sou eu que carrego na espinha o grito calado do animal, grito consentido, entregue. Eu não sentia pena ou qualquer sentimento de consolo, mas aquilo me incomodava mais que qualquer coisa.
Todos usam branco naquele lugar, uma espécie de limpeza melancólica, apática. Os bois? Esses são divididos em quatro grupos: há ali o grupo dos mansos, que quase não se movem sem ordem, sem empurrão, uns grandes tolos sem culpa, quietos, amedrontados por tudo o que há fora daqueles limites; há também o setor dos ativos, garanhões, procriadores, fortes robustos, sem qualquer outra função a não ser fazer o que lhe induzem. Ali quase não há presença de fêmeas, não! As fêmeas devem ser dóceis, gentis, compassadas e quietas, uma fêmea em si, como se deve; o grupo das leiteiras, amamentadoras, criadoras e fortificadoras de mais futuros enlatados S.A.; e por ultimo e tão quanto desmerecido, o setor dos desgarrados, onde se classificam aqueles que são impulsivos, inquietos, com alguma projeção de futuro sanguíneo, ou aquele que nasce com alguma doença, ou com algo estranho, difícil de ser identificado, ou as aberrações. Desse grupo destacou-se ele.
Ele não era brabo, impulsivo, nem tinha nenhuma projeção de futuro sanguíneo identificável, nem qualquer aberração visível, mas havia algo estranho nele, e todos o olhavam assim com os olhos de quem sabe demais, mas não sabe nada, anotando qualquer coisa em suas pranchetas brancas com caneta vermelha. Eu sabia, sabia pouco, mas sabia. Ele trazia consigo o sinal, e esse radiava em meus olhos. Eu já previa algum ato imprevisível, ou algo que o fizesse mais estranho ainda, e ainda mais lindo, mas não imaginava que seria daquela forma. Não sei se você sabe, não! Você não sabe, mas alguns outros do rebanho também trazem esse sinal. Muitos passam a vida inteira sem notá-lo, alguns o notam, mas fingem ignorá-lo, outros o percebem tarde demais, outros nunca. Ele o percebeu cedo, e foi cedo que ele planejou tudo.
Sim meu rapaz, um animal fazendo planos, porque não? Eu não entendo essa maniazinha que a gente tem de se auto-desclassificar do mundo animal, acho que por isso inventaram a metáfora: a realidade encoberta que não deixa de ser real. Racional? Somos racionais? Talvez haja uma inversão de definições. Eles, talvez. Preciso desconsiderar seu comentário, desculpe.
Voltando: então, alguns dias depois aconteceu. Ouviu-se a sirene e tudo que era branco se espantou. Um deles, de alguma forma havia burlado o sistema de segurança e fugiu naquele instante. Um alvoroço se deu no lugar, a empresa corria risco de multa. Todos foram para fora, e juntos viram ao longe: ele daquela forma. De dentro, o resto do rebanho via aquilo com a baba escoando, loucos de vontade, mas sem nenhum diálogo nem consigo mesmo, como sempre amém. Iluminado e envolto por uma incandescência extrema, ele estava levitando no ar. Percebi que ele sentia a máxima de liberdade, descobrindo o que havia fora dos limites e longe daqueles. Os internos, que continuavam divididos, quietos, com a baba escoando, faziam crescer angústia: um dos bois cuspiu no chão, outro vomitou. Os de branco olhavam para cima sem nenhuma expressão, relatando aquilo nas pranchetas. Minha prancheta estava em branco, sem nada escrito, como sempre esteve.
Enfim, ele levitou até sumir no céu. Eu sabia que ele iria encontrar mais alguns iguais a ele por ai, pelo ar, no desconhecido.




03/08/09

Jesuíta Barbosa